sábado, 16 de agosto de 2014

Copa do Mundo de 1950 no Brasil
Dois campinaverdenses rumo ao Maracanã

*Por Alberto Leonel de Paula e Manna
Depois de 12 anos, devido à interrupção por causa da Segunda Guerra Mundial, a Copa do Mundo voltava a ser disputada, e desta vez no Brasil. Para a Copa do Mundo de 1950, que contou com a participação de 13 seleções, foi construído o Maracanã, o maior estádio de futebol do mundo. A Argentina, que achava que deveria ser a anfitriã da segunda Copa do Mundo na América do Sul, não participou em protesto. 
A competição foi organizada com 4 grupos na primeira fase e uma fase final reunindo os 4 vencedores de cada grupo. Prevista para contar com 16 participantes, a Copa do Mundo 1950 recebeu apenas 13 seleções: Bolívia, Brasil, Chile, Espanha, Estados Unidos, Inglaterra, Itália, Iugoslávia, México, Suécia, Suíça e Paraguai.



* FLAMENGO VENDE ZIZINHO AO BANGU, O MAIS CARO JOGADOR DO BRASIL - As manchetes da imprensa brasileira estavam ocupadas, em março de 1950, com o rumoroso caso da transferência, do Flamengo para o Bangu, de Tomás Soares da Silva, o ZIZINHO. 
O mais famoso jogador brasileiro pressionava para sua transferência, ameaçando transferi-se ao futebol Colombiano, indo juntar-se a Heleno, Ari e outros. 
Segundo o Jornal de Uberaba, LAVOURA E COMÉRCIO, de 15 de março de 1950, o sr. Dario de Melo Pinto, Presidente do Flamengo, resolveu por um fim à situação, uma vez que o clube estava na iminência de perder seu mais famoso jogador e sem receber um níquel pelo seu passe. 
Procurou os dirigentes do Bangu e realizou a transação por um milhão de cruzeiros, cifra recorde no profissionalismo nacional e continental. 
O GANHO DE ZIZINHO - Com a transferência, o Bangu se comprometeu a pagar a Zizinho 200 mil cruzeiros de luvas e mais uma casa de retalhos em Niterói-RJ. 
Garantiu o ordenado mensal de Cr$14.000,00, fora os bichos correspondentes aos jogos ganhos. 
A negociação estava concluída. 
Pouco mais de dois meses antes de se iniciar a Copa do Mundo no Brasil, estava assegurada a participação do mais perfeito atacante em sua posição, no selecionado nacional. 
REPRESENTANTES DE CAMPINA VERDE NA COPA DE 1950 - Enquanto isso, os irmãos Manoel da Costa Faria, "Neneco" e Francisco da Costa Faria, "Chiquito Faria", nascidos em Campina Verde, no Triângulo Mineiro, queriam assistir à Copa do Mundo no Maracanã, maior Estádio de Futebol do mundo. 
Não conheciam a Capital do Brasil e, mineiros do interior, estavam curiosos para provar se a água do mar era, de fato, salgada. Neneco, flamenguista fanático, já falecido e Chiquito Faria, que contou toda essa história, ao lado de seu sobrinho Heleno Faria, vascaíno doente, residente em sua cidade natal, com cerca de 94 anos, armavam seus planos. 
Neneco estava inconformado e triste com a saída de Zizinho do seu Flamengo, mas poderia vê-lo na Seleção. 
Combinaram os dois: 
- Vamos à Copa, Chiquito? 
- Ora, Neneco, com que dinheiro? 
Filhos de Fazendeiro, mas, com seus mais de 20 anos, teriam que ganhar o suficiente para as despesas rumo ao Rio de Janeiro. 
Que sorte! 
O Fazendeiro Dimas Justino os contratou para conduzir uma boiada de 1.000 cabeças, que deviam ser entregues em Pereira Barreto, Estado de São Paulo, em Fazenda da Família Borges, grandes invernistas de bois. 
E o ganho daria para realizarem seu sonho: presenciar os jogos do Brasil no Estádio do Maracanã, ver o Brasil ser Campeão do Mundo ! 
CONCLUSÃO DO NEGÓCIO - Ao conferirem os bois, encerrados em curral não muito seguro, apuraram a quantia de 1.111 cabeças. 
E o negócio anteriormente conversado era de 1.000 bois. 
Dimas Justino queria o mesmo preço pedido, para os 1.111 bois. 
Zequinha Faria, o irmão mais velho e experiente, ali presente, aconselhou Dimas Justino a aceitar preço menor nos 111 bois, porque, se não, o negócio não sairia. 
- Mas, se apartar, os 111 são refugos da boiada , questionou o Sr. José Elias dos Santos, conhecido por Zé Major, intermediário e representante dos compradores. 
- Concordo em levar os 111 bois, sem apartar, mas por um preço menor , concluiu Zé Major, pois verificou que o curral não suportaria uma nova apartação, com grande risco de se perder o serviço e atrasar a viagem. 
- Negócio fechado , concluiu Dimas Justino. 
E se deram as mãos. 
Acertados os detalhes de preço e reunida a turma de encarregados, peões e cozinheiro, - 1 peão para cada 100 bois - , ficaram a postos para a partida. 
Os três experientes cães faziam parte da comitiva: Sultão, Boca Preta e Tigre. 
ORDEM DE PARTIDA - No dia seguinte, ainda no escuro, Chiquito Faria mandou reunir a tropa e formar, para que cada um dos 11 cavaleiros pudesse jogar o buçal em seu animal escolhido. 
Rédea, carona, baixeiros, arreio, pelego, alguns metros de correia de couro cru para maneio e baldrana compunham a arreata, além, é claro, do laço, um par de esporas, a capa de chuva e o chapéu firme na cabeça. 
- Pode soltar, Chiquito? , grita Neneco lá na frente, junto ao ponteiro, com o berrante em posição. 
- Pode dar a partida. Cuidado com o curral, que é fraco , responde Chiquito Faria. 
De madrugadinha, no momento em que conseguiram enxergar os bois para a última conferida, saiu vagarosamente a boiada. 
O som do berrante deu o sinal e a comitiva iniciava a primeira marcha. 
A tropa reserva, os burros de carga carregando as bruacas e a carroça com os precisos para o arroz carreteiro e a boia em geral, iam à frente do peão ponteiro, ao som de dois ou três cincerros, pendurados ao pescoço dos animais já amansados para tal finalidade. 
Atentos a toda a movimentação da boiada, principalmente os peões da culatra, cuidavam para que não ficasse nenhum boi de arribada. 
Os ruidosos estalos dos chicotes faziam voltar ao seu lugar algum boi malandro, com a ajuda do Sultão e os mantinham todos atentos no estradão. 
A boiada partiu da Fazenda, próximo à Serra do Dimas, para uma viagem em torno de vinte marchas . 
A conhecida SERRA DO DIMAS, de triste lembrança para os campinaverdenses, localiza-se na Rodovia denominada São Paulo-Cuiabá. 
Foi ali que se acidentou e faleceu o ex-Prefeito Orlando Paula, pessoa muito querida e de família tradicional de Campina Verde. 
Viagem tranquila. 
POUSO DE BOIADA - Atravessaram o Rio Grande para o Estado de São Paulo, próximo à cidade mineira de FRONTEIRA, rumo a Pereira Barreto. 
Ali realizaram um dos 20 pousos em currais seguros. 
Aguada boa, para o gado beber a vontade, com o caminhar previamente calculado para a chegada antes do anoitecer. 
E a peonada já estava ansiosa pela noitada que teriam junto à Casa das Mulheres . 
Estas poderiam também faturar, pois tinham ótimos argumentos para limpar o bolso da turma. 
Neneco e Chiquito, experientes, liberavam apenas alguns trocados, parte dos haveres, para a gastança. 
No outro dia, tinham que ser pontuais para merecerem nova cachaçada. 
O embornal com alguma miudeza, a guampa que serviria, além da água, para tomar, de vez em quando, um golinho de pinga, guardada no corote, iam pendurados ao arreio. 
Escuro ainda, o cozinheiro já servia o carreteiro com dois ovos fritos e pé na estrada. 
Boiada conferida. 
- Vem, vem, vem , chama o ponteiro para mais uma marcha! 
Enfim, chegaram ao destino. 
Boiada conferida, tudo dentro do que foi planejado e combinado, pois, Neneco e Chiquito Faria eram os melhores, os mais experientes nesse tipo de trabalho. 
Restava somente conferir a grana, justo e merecido pagamento pelo serviço prestado, sem nenhuma arribada que exigisse a recoluta. 
E guardaram o dinheiro na guaiaca de couro, com todo cuidado, para o regresso a Campina Verde. 
Deu tudo certo. 
RUMO AO MARACANÃ - A moçada de Campina Verde morria de inveja dos dois caboclos que arrumavam as malas e iam ver o Brasil ser Campeão do Mundo! 
De Campina Verde ao Rio de Janeiro, pegaram cavalo, jardineira, trem de ferro e bonde. 
Enfim, chegaram à então Capital do Brasil. 
Nosso país contava, nesse tempo, com 52 milhões de habitantes. 
Sinalizaram para o bonde que seguia pela Avenida pertinho daquele marão, que os mineiros ainda não conheciam, rumo ao Maracanã. 
Os dois irmãos deram uma descidinha na praia de Copacabana e correram para provar se a água do mar era mesmo salgada. 
- Não é que é verdade, Neneco? 
- É mesmo, sô ! , confirma Chiquito, com uma rápida cuspida. 
Tomaram, novamente, o bonde. 
De repente, enxergaram na calçada da Avenida, nada menos que o Campinaverdense, parente, estudante de medicina, Edmur Nunes da Silva, que se tornaria um dos grandes médicos do Município. 
Desceram do bonde e foi aquela festa! 
Mais um companheiro para ver o Brasil ser Campeão do Mundo! 
A última Copa fora conquistada pela Itália em 1938, pois, a Segunda Guerra Mundial, que matou 100 milhões de pessoas, não permitiu sua realização em 1942 e 1946. 
A Argentina, que desejava realizar a Copa em seu país, boicotou o evento, e se negou a participar. 
Com outras desistências, iniciou-se com apenas 13 países participantes. 
A Taça Jules Rimet, de posse da Itália, chegou ao Brasil de navio e foi entregue à CBD, (depois substituída pela atual CBF ). 
A abertura da Copa se deu pelo então Presidente Eurico Gaspar Dutra, ao som de Bandas de Música, quando foram soltas cerca de 5.000 pombas. 
E as vitórias de nossa Seleção foram se sucedendo.
Na Suécia, 7 a 1, e 6 a 1 na Espanha. 
Neneco vibrando com os gols de Zizinho. 
As goleadas! 
O Brasil inteiro preparado para comemorar o título!
FINAL DA COPA: BRASIL x URUGUAI - Chegou a Final contra o Uruguai! 
O tão esperado 16 de julho de 1950! 
Seria a primeira vez que as camisas dos jogadores levariam números nas costas. 
Chiquito Faria, já enturmado na torcida, fazia sua aposta: 
- 4 a 0 para o Brasil! 
Início de jogo, Brasil faz o primeiro gol 
- Vai ser de goleada , grita Neneco
Edmur, de pouca conversa, mas confirmou: 
- Goleada! 
Não passou muito tempo, aos 26 minutos do primeiro tempo, o Uruguai empata com Schiafino. 
- Ai, que frio na barriga ! , cochicha o Chiquito. 
- Ainda bem que, com o empate, o Brasil é Campeão, explicou o torcedor mais próximo . 
Aos 36 minutos do segundo tempo, 9 minutos para o final, a casa caiu 
Gol do Uruguai! 
Gol de Ghiggia! 
O Uruguai fez 2 a 1! 
Silêncio ensurdecedor toma conta do Maracanã 
Deu tremedeira no time brasileiro, incapacitado de reagir, no tempo que restava ! 
O juiz apita, final de jogo 
O Brasil perdeu a Copa 
O Uruguai é o Campeão do Mundo 
Choradeira geral 
Final do Jogo, cadê o Edmur? 
- Chiquito, ele se vira..., vamos embora! , exclamou engasgado o Neneco. 
E o Neneco puxou a fila, de cabeça baixa, iniciando o retorno a Campina Verde. 
Qual nada, já foram direto para a Fazenda do Pai, esconder seu desapontamento, prometendo nunca mais irem ao Maracanã
... e o sonho acabou ...
* Alberto Leonel de Paula e Manna - É Associado Correspondente do INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MINAS GERAIS
Contato e-mail: alberto_manna@hotmail.com

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